3.7.08

Relato de um Tango

Suspirei: mão ante mão fitaram-se. Iniciaram um diálogo dispondo de palavras que eu havia colecionado há algumas coreografias atrás. Foram atiradas ali, entre os dedos torneados, durante quase... segundos. Interrompendo a conversa, seu ante-braço torneou minhas costas, confiante, numa forma de reconhecimento. Era como se já tivesse estado ali tantas outras vezes. Surpreendeu-me por prever tão bem minha anatomia - mais um suspiro. Minha boca gelada, de tão crua, não podia agir por si. Pecava por esperar. Não conseguia lembrar de existir antes de tal dança. Nossos pés eram praticamente nulos. Nunca se alcançavam. Eram como nossos sexos que antagônicos se aceitavam por dividir o eixo de todos os ângulos do salão: a ladeira que meu colo criava tocando seu corpo de frente, junto às esquinas que tudo representava por sermos únicos no espaço. Eu era capaz de sentir a trama se desfazendo em minha perna por culpa de um fio arrebentado da meia. Saboreava a expectativa dele, devido ao sutil movimento que o denunciava quando inclinava o pescoço em direção ao ombro esquerdo – enxugando suor nenhum. Varria com meus cílios duros, por vezes, a maçã de seu rosto entre passos mais ousados, trazendo à tona o real. E por não sei quanto tempo nos desentendemos. Declarando minúcias e nos deduzindo tão bem. Um bico certeiro acertou a ponta do meu pé direito no exato momento da nota primeira de um bandoneón, a mesma que despertou num susto minha pálpebra adormecida. Foi aí que não quis mais.

7 comentários:

Anônimo disse...

Um dia recebi uma ligação. Era ela! Dizendo-me que precisava compartilhar algumas coisas. Pensei “como esses artistas são malucos”. Me pus a escutar. Ela dizia que estava entendendo o que queria com essa tal de arte, dizia que não conseguia fugir do sentimento da coisa que a mexia (literalmente) a dança. Então me jogou milhões de idéias esparsas, sobre um espetáculo, imagens, falta de som, silêncio, fotografias de performances, idéias ainda perdidas, e por fim me leu um texto. Sempre dizendo “to te incomodando né?” Fiquei com ele (o texto) na cabeça depois que ela me disse “tcháau"... e hoje encontro ele novamente aqui, com segurança para ser mostrado, acompanhando as imagens que antes eram apenas insights postos na mesa de um dia no laboratório onde trabalhava.

Estás construindo seu percurso Cacá. Vejo nítida enfim sua poética. Poderia falar muito mais se você assim permitisse.
Beijos minha Flor

Anônimo disse...

Coloquei o teu blog no mergulhonocorpo!;) bejos

mabel disse...

Flor, achei algo que acho que te encontra um pouco, ou talvez vá de encontro com que eu penso sobre seu trabalho, beijocas Mabel

"Tal seria portanto a modalidade do visível quando sua instância se faz inevitável: um trabalho do sintoma no qual o que vemos é suportado por (e remetido a) uma obra de perda. Um trabalho do sintoma que atinge o visível em geral e nosso próprio corpo vidente em particular. Inelutável como uma doença.Inelutável como um fechamento definitivo de nossas pálpebras. Mas a conclusão da passagem joyceana-"fechemos os olhos para ver"- pode igualmente, e sem ser traída, penso, ser revirada como uma luva a fim de dar forma ao trabalho visual que deveria ser o nosso quando pousamos os olhos sobre o mar, sobre alguém que morre ou sobre uma obra de arte. Abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais veremos-ou melhor, para experimentar que o que não vemos com toda evidência (a evidência visível) não obstante nos olha como uma obra (uma obra visual) de perda. Se, a experiência familiar do que vemos parece na maioria das vezes dar ensejo a um ter: ao ver alguma coisa, temos em geral a impressão de ganhar uma coisa. Mas a modalidade do visível torna-se inelutável-ou seja, votada a uma questão de ser- quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa, isto é: quando ver é perder. " Georges Didi-Huberman

Carolina Rögelin disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carolina Rögelin disse...

Que lindo, Mabel!
Fiquei muito feliz com a relação que tu fizestes. Parece que eu tô vendo a Rosângela comentando sobre esse texto do Didi Huberman... é incrível mas exatamente este e um texto do Merleau Ponty, em especial, que me fizeram dar um salto na produção, acreditas? Há menos de um ano eu não tinha um terço das idéias que tenho hj. Foi a partir dessas reflexões, acerca dos conceitos trabalhados por estes autores, que venho desenvolvendo um pensamento estético e poético. Que coisa! sinto como uma prova de que meu trabalho de certa forma tenha atingido 'o ponto' que eu queria. ,D
Esse trecho que tu escolheu, é perfeito! Tem muito a ver mesmo!
um beijo

Carolina Rögelin disse...

Fran...
tu és a metade do meu diário de borda.
(a parte farta)

Anônimo disse...

vim te dar parabéns, pelos trabalhos, palavras e por tudo que és...
Entrarei depois para postar algo que escreverei sobre ti e teus trabalhos.

bjos

Ju crispe