3.7.08

Relato de um Tango

Suspirei: mão ante mão fitaram-se. Iniciaram um diálogo dispondo de palavras que eu havia colecionado há algumas coreografias atrás. Foram atiradas ali, entre os dedos torneados, durante quase... segundos. Interrompendo a conversa, seu ante-braço torneou minhas costas, confiante, numa forma de reconhecimento. Era como se já tivesse estado ali tantas outras vezes. Surpreendeu-me por prever tão bem minha anatomia - mais um suspiro. Minha boca gelada, de tão crua, não podia agir por si. Pecava por esperar. Não conseguia lembrar de existir antes de tal dança. Nossos pés eram praticamente nulos. Nunca se alcançavam. Eram como nossos sexos que antagônicos se aceitavam por dividir o eixo de todos os ângulos do salão: a ladeira que meu colo criava tocando seu corpo de frente, junto às esquinas que tudo representava por sermos únicos no espaço. Eu era capaz de sentir a trama se desfazendo em minha perna por culpa de um fio arrebentado da meia. Saboreava a expectativa dele, devido ao sutil movimento que o denunciava quando inclinava o pescoço em direção ao ombro esquerdo – enxugando suor nenhum. Varria com meus cílios duros, por vezes, a maçã de seu rosto entre passos mais ousados, trazendo à tona o real. E por não sei quanto tempo nos desentendemos. Declarando minúcias e nos deduzindo tão bem. Um bico certeiro acertou a ponta do meu pé direito no exato momento da nota primeira de um bandoneón, a mesma que despertou num susto minha pálpebra adormecida. Foi aí que não quis mais.